Por Renata Osmann – julho de 2003.
Criador da técnica conhecida como Reeducação Postural Global, ou R.P.G., e autor de 18 livros, Phillipe Emmanuel Souchard é um fisioterapeuta reconhecido internacionalmente. Passa a maior parte de seu tempo viajando pelo mundo entre cursos e palestras.
Quinze anos de pesquisa de biomecânica culminaram na obra “O Campo Fechado” e, a partir de então, a fisioterapia nunca mais foi a mesma. A técnica se sustenta no tripé unicidade-causalidade-globalidade, e chegou ao Brasil na década de 80, representando um grande avanço no campo da fisioterapia, ortopedia e reabilitação. A R.P.G. consiste em trabalhar os sistemas muscular, sensitivo e esquelético como um todo, tratando, de forma individualizada, os músculos que se diferenciam na estrutura. Vista no inicio com desconfiança, a técnica foi se firmado e, hoje, conta com mais de 3 mil profissionais só no Brasil que tratam as desarmonia do corpo, num trabalho mútuo com a classe médica.
No mês de setembro, Phillipe Souchard esteve no Brasil para o lançamento, em première mundial, do livro “As Escolioses, seu tratamento fisioterapêutico e ortopédico”. Considerada uma das mais severas alterações da coluna vertebral, a escoliose agora encontra amparo na R.P.G. Milênio esteve no lançamento do livro e conversou com o Dr. Souchard. Na entrevista, ele conta um pouco da técnica que O criou, fala de acupuntura e alerta para os falsos “rpgistas”.
O pai da R.P.G.
Milênio – O senhor é o criador da RPG. Como surgiu de uma reeducação postural?
Souchard – Como fisioterapeuta, eu estava insatisfeito com a insuficiência dos resultados da fisioterapia convencional. Percebi que havia algumas contradições nas noções de reeducação do sistema músculo- esquelético. Meu passado de ciências ditas exatas me levou a aprofundar minhas observações e a pesquisar mais nas áreas de fisiologia e biomecânica, o que me permitiu estabelecer os princípios e as bases que hoje é conhecido com R.P.G.
Milênio – A RPG pode causar algum tipo de lesão muscular por forçar uma correção?
Souchard – Este é um dos pontos que marcam uma grande diferença entre a RPG e outros métodos: nunca se força, até porque é um trabalho ativo da parte do paciente. O tratamento “pessoal e intransferível”, ou seja, pode ser adaptado a qualquer pessoa e/ou situação.
Milênio – Quais os principais fatores que causam posturas inadequadas?
Souchard – Posso citar uma infinidade de fatores ou resumir: a vida moderna e a perda, cada vez maior, dos hábitos e condições de vida naturais. As principais queixas de pessoas que vêm ao consultório são aquelas de toda gente: “dor nas costas”, dores de cabeça e pescoço, “hérnias”, “dor ciática”… além das escolioses e outros problemas morfológicos.
Milênio – Como saber que uma dor é resultado de má postura?
Souchard – A postura incorreta, infelizmente, não dá sinais. Mesmo olhando-se no espelho, as pessoas não percebem que estão “tortas”. Apenas quando surge a dor é percebe que algo vai mal. É por isso que não se deve “fazer calar” uma dor sem investigar a sua causa, pois a dor é o sinal de alarme do corpo para mostrar que há alguma coisa “fora do eixo”. Grande parte das dores é resultado de postura.
Milênio – Como é realizado o diagnóstico?
Souchard – Numa primeira sessão é feita uma avaliação muito minuciosa, que consta de vários itens e testes. É desta avaliação que saem o diagnóstico e a escolha das “posturas” a serem empregadas naquela sessão de tratamento. A cada sessão, é feita uma nova avaliação, mais simples, porém igualmente importante para o acompanhamento do tratamento.
Milênio – Quantas sessões semanais são recomendadas?
Souchard – Para iniciar o tratamento, recomendamos no mínimo uma sessão semanal; depois que o problema é controlado, pode acontecer de espaçamos as sessões, até a suspensão total, que seria a alta.
Milênio – Como é feito o tratamento? Quantas sessões são necessárias ao todo?
Souchard – O tratamento é feito em consultas de 1 hora ou mais, em geral uma vez por semana. Podemos ser necessário, em alguns casos, acelerar para duas vezes por semana (nas escolioses graves, dores em situações agudas, pessoas frágeis, enfim, adaptações). Dependendo do problema, pode ser necessária apenas uma sessão (no caso de uma lesão recente) ou muitas (numa escoliose infantil, que terá que ser “vigiada de perto” e acompanhada durante todo o crescimento). A duração do tratamento também varia muito, pois depende do que há a corrigir. Mas logo na primeira consulta, quando se faz a primeira avaliação, pode-se ter uma primeira previsão do tempo que será necessário.
Milênio – O que acontece quando um problema de postura não é tratado?
Souchard – Infelizmente, os problemas posturais são a preliminar para os problemas articulares. Se você mantém uma postura incorreta durante alguns anos, pode não sofrer enquanto á jovem, mas certamente vai sofrer um dia, já em médio prazo, pois não se pode pretender fazer repetidamente movimentos desviados por causa de retrações, sem chegar a um bloqueio das articulações implicadas.
Milênio – Os efeitos do tratamento são duradouros, ou a pessoa pode voltar a apresentar o problema?
Souchard – Se pudermos identificar e eliminar as causas do problema, os efeitos serão definitivos. É evidente que, se as causas estão no modo de vida das pessoas, não podemos, na maioria das vezes, eliminá-las e nem mesmo mudá-las, pois pode se tratar de um oficio ou de uma paixão (um esporte, um hobby).Mesmo assim, um bom trabalho em RPG pode ter um efeito bastante durável, pois será integrado nos automatismos do corpo. De qualquer forma, não costumamos proibir nenhuma atividade aos nossos clientes, pois partimos do princípio de que, se o tratamento é bom, deve permitir às pessoas até mesmo algumas imprudências, que são inevitáveis na vida cotidiana. Aconselhamos apenas um contrato com o fisioterapeuta, a titulo de prevenção, e, eventualmente fazer uma consulta, caso haja algum sinal de alerta. Umas poucas sessões bastarão para a volta à calma.
Milênio – Quem encaminha a pessoa a um profissional de RPG?
Souchard – Muitos médicos, em todos os países onde a RPG está presente, enviam-nos pessoas para tratamento. Outros vêm por indicação de amigos que já fizeram o tratamento. E outros ainda, porque já tentaram de tudo, sem obter melhoras significativas. E porque ouviram falar do médico.
Milênio – O que o senhor aconselha para evitar o surgimento das lesões?
Souchard – As atividades, laborativas ou de vida diária, repetitivas, são sempre causadoras de “irritações”, que tomam nomes variados de acordo com o momento ou a moda: agora, as tendinites que sempre existiram se chamam “LER” ou “DORT” ou outras siglas. Meu conselho, já que não se pode evitar digitar durante horas num teclado ou sentando a maior parte do dia, trabalhando ou dirigindo ou ainda estudando, é tentar variar as atividades o máximo possível, levantar-se e andar de vez em quando, abrir as mãos e esticar os braços algumas vezes e, a qualquer sinal de alarme, procurar o tratamento adequado; no caso, músculo-esquelético (por que não RPG?).
Milênio – A RPG pode ser aplicada a mulheres grávidas?
Souchard – Não há inconvenientes em aplicar a técnica de RPG em mulheres grávidas quando há a necessidade de tratamento. Nesse caso, a futura mamãe receberá uma atenção individual e adaptada à sua condição, o que não ocorre, necessariamente, em outros tipos de tratamento. Realizamos todo um trabalho de preparação para o parto e recuperação pós-parto, que se baseia nos princípios biomecânicos da RPG, uma técnica bastante original, reconhecida por muitos médicos, obstetras e, melhor ainda, aprovado palas mulheres que exp0erimentaram.
Milênio – A RPG é indicada para crianças com problemas posturais, uma vez que estão em fase crescimento?
Souchard – Crianças em crescimento, que apresentam problemas músculo-esquelético ou postural, podem ser acompanhadas em RPG, para correções e para evitar fixações de posturas incorretas, ou seja, para prevenir o surgimento de futuras lesões articulares.
Milênio – Há uma idade recomendada?
Souchard – É mais fácil tratar pessoas com um bom nível de compreensão e consciência corporal. Entretanto, como é um tratamento individual e dedicamos uma hora ao paciente, podemos nos adaptar a cada idade, cada caso, com resultados sempre satisfatórios. É preciso ter segurança nas bases e nos princípios do método e saber aonde se quer chegar.
Milênio – É possível corrigir todos de má postura?
Souchard – Sim, corrigimos 100% dos casos, quando não há uma causa irreversível ou fora do domínio da fisioterapia.
Milênio – Há indicação de tratamento paralelos ou complementares? Por exemplo, esportes como a natação?
Souchard – A natação e outros esportes não podem ser considerados tratamento para os problemas posturais, uma vez que trabalham indiscriminadamente os músculos da estática e da dinâmica. São atividades físicas que contribuem para a higiene de vida e para o bem-estar físico-psíquico-social, o que é de fato muito importante. Mas, na realidade, são atividades contrárias á RPG, pois fazem os músculos da estática trabalhar em contrações concêntricas, ou seja, em encurtamento.
Milênio – A acupuntura também trata problemas de coluna. RPG e Acupuntura são excludentes, ou podem ser utilizadas paralelamente?
Souchard – A Acupuntura é da mesma família da RPG: baseia-se na unidade, globalidade, causalidade. Assim, não são métodos incompatíveis. Mas é preciso ressaltar que, para corrigir problemas mecânicos, é preciso um método mecânico. A acupuntura trabalha no terreno da energia e pode aliviar a dor da coluna através de um reequilíbrio das manifestações, mas não pode chegar à correção concreta de uma lesão, que é uma mudança do eixo articular e requer uma correção mecânica local.
Milênio – A técnica de Reeducação Postural pode trazer benefícios físicos? Por exemplo, fortalecer a musculatura de paraplégicos?
Souchard – “Fortalecer musculatura” é um dos conceitos revistos pela RPG. O que nós fazemos é devolver aos músculos o seu comprimento e a sua flexibilidade otimal, o que lhes garante a máxima capacidade de contração, ou seja, maior força ativa e melhor funcionalidade. Assim, no caso especifico de paraplégicos, os músculos que não foram afetados pela paralisia terão o melhor desempenho possível. Infelizmente, porém em situação dessa natureza, nós não podemos eliminar a causa do problema e será preciso retomar, de vez quando, algumas sessões de RPG para corrigir as retrações que se vão instalado com a repetição dos gestos de compensação que suprem a falta dos movimentos que foram perdidos.
Milênio – Qual formação deve ter um profissional de R.P.G.?
Souchard – Para fazer o curso de RPG, é necessário ser fisioterapeuta já formado. O curso básico de RPG tem a duração de quatro semanas, com 240 horas/aula. Completado o curso básico, o profissional da área pode continuar a sua formação em RPG seguindo a evolução do método através de reciclagens gratuitas nos cursos básicos e fazemos os cursos avançados, que visam aprofundar os conhecimentos e o modo de tratar em patologias especificas como a escoliose, que é o tema do meu novo livro, e patologias articulares, cursos de interpretação de exames radiológicos, preparando para o parto, entre outros. Para formar um bom profissional, são necessários alguns anos de pratica purista, e aí está a maior dificuldade: alguns começam a praticar, mas, diante de um caso mais complicado, não aceitam o desafio de procurar superar suas deficiências e “fogem” do problema, buscando soluções mais fáceis em outras técnicas e misturando-as à RPG. É o fim. Acabam abandonando ou “criando novas técnicas”, que chamam de RPG/qualquer coisa. Os resultados são proporcionais…
Milênio – Há indicação de algum preparo antes das sessões?
Souchard – Sim, sem dúvida. É exigido enorme preparo… mas do “fisioterapeuta”! Nem todos conseguem chegar à completa compreensão do método e, conseqüentemente, à sua melhor aplicação. É também um investimento muito pesado em termos de mudança de hábitos e resistência às pressões do sistema convencional. A RPG é um método muito complexo. O corpo humano é um sistema maravilhoso, mas de uma enorme complexidade. Não se pode imaginar reparar uma sofisticada máquina com uma simples chave de fenda e um martelo. Só um método complexo pode responder ao caráter complexo da patologia. É por isso que não são todos os que se dizem “rpgistas” que farão um trabalho correto. O efeito de “moda” fez com que surgissem vários cursos auto-intitulados RPG-isso-ou-aquilo (pois RPG chama a atenção do público hoje em dia) e que não têm nada a ver com o curso original. São apenas cópias mal feitas que, sem a essência da base, acabam misturando diversas técnicas prometendo ser mais “completos”. No final das contas, não são realmente nada. Por isso recomendo sempre que as pessoas tenham cuidado ao procurar um tratamento em RPG. É preciso se informar junto à Sociedade Brasileira de RPG, que tem a relação completa dos profissionais formados por mim e por minha verdadeira equipe.