Matéria escrita por Gabriela Cupani, para a Revista Saúde de julho de 2003.
A reeducação postural global alivia as dores nas costas ao cortar este mal pela raiz: a má postura, que acaba desalinhando os músculos.
Há quem diga que o mundo está dividido entre quem sofre de dor na coluna e quem ainda irá sofrer. A fatalidade é provocada por horas em frente à tevê ou ao computador, por exemplo – um tempão perto dos escassos minutos dedicados a movimentar o corpo. “O homem virou Homo sentadus”, brinca Oldack Borges Barros, presidente da Sociedade Brasileira de RPG, a cada vez mais popular reeducação postural global. Brincadeiras à parte, a inércia é reconhecidamente um convite à má postura. E a má postura…
Forçados em posições estranhas, os músculos se travam, deixam de trabalhar direito. Daí é só uma questão de tempo para surgi a dor. O que a RPG busca é corrigir a musculatura – ou seja, dar um fim no que pode causar problemas. Nesse aspecto, seus resultados são excelentes, como mostra uma pesquisa recém – concluída na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a qual comparou deus efeitos com os da fisioterapia clássica. A reeducação postural se mostrou mais eficiente tanto em derrotar o sofrimento como em evitar dolorosas recaídas. Há mais de 20 anos o francês Philippe Souchard, seu criador, vem apregoando esses benefícios, apesar da rigidez de alguns colegas insatisfeitos com a falta de investigações científicas, o que hoje começa a mudar.
O método não trata só onde dói e, sim, o corpo da cabeça aos pés.
As posturas da RPG:
São apenas oito – e aqui você vê quatro delas. O segredo é praticá-las com orientação, capricho e calma.
Sem apoio e com tudo no lugar – do queixo ao dedão do pé, cada pedaço é ajustado pelo especialista -, a posição trabalha a musculatura que sustenta a coluna.
Há três meses o professor de Biologia Túlio Tagliaferri, de 60 anos, começou a sentir dores terríveis no braço. “Não conseguia nem deitar, dormia sentado”, lembra-se. Coordenador de um conhecido curso pré-vestibular em São Paulo, ele se viu travado. A culpa era de um nervo pinçado entre duas vértebras. “Depois de algumas sessões de RPG consegui sair da crise”, relata aliviado.
Não se surpreenda. Se você procurar um especialista em RPG para acabar com aquela dorzinha no joelho, ele examinará seus ombros com a maior concentração. A recíproca é verdadeira. Essa é a chave do médico. “Nosso trabalho não é segmento”, diz a fisioterapeuta Ângela Bushatsky, de São Paulo. Em outros métodos de fisioterapia, dá-se uma atenção especial à região que reclama de dor. No início dos anos 1980 o francês Philippe Souchard se revoltou contra esse jeito de tratar o corpo, assim aos pedaços, e resolveu propor uma nova terapia.
Longe do ponto de partida.
A RPG leva em consideração que os músculos estão interligados em cadeias. Como estão amarrados uns aos outros, de cima abaixo, e fácil imaginar que um problema em princípio localizado vá aos poucos se propagando. “Ao percebe uma pequena alteração na postura, é preciso notar quais músculos passam por ali e para onde vão”, explica Ângela. Ou seja, onde poderá terminar a encrenca. “É comum o sintoma estar bem longe da origem”, continua ela.
Um paciente tinha uma dor no pé que não dava sossego – nem para os médicos nem para os fisioterapeutas, já que foi alvo de vários tratamentos fracassados. “Até que o sujeito procurou a RPG”, conta, animada, a especialista Ivete Félix, professora da Faculdade Integrada do Ceará, em Fortaleza. Ao seguir a trilha muscular do tormento, ela percebeu que a verdadeira culpada era uma escoliose, um desvio lateral das vértebras. Tombada para um dos lados, a coluna acabou sobrecarregado mais uma perna do que a outra. A pelve reagiu se deslocando, o que modificou de vez a posição dos joelhos. Os últimos atingidos? Os pés.
Não poupes seus músculos.
Por trás da postura fora de prumo podem estar desde tensões emocionais até doenças orgânicas. Uma pesquisa da Universidade Bandeirantes de São Paulo com vítimas de tontura crônica, constatou que 85% delas também padeciam de dores pelo corpo. Tontas, eles tendiam a deixar o pescoço rígido para não cair. E, desse jeito, afetavam seu músculos.
É a musculatura, insistem os adeptos do RPG, que sempre leva a pior. Até quando a idéia é poupá-la, digamos. “Sem ter consciência, a gente adora posições que aliviam determinadas dores e que, a longo prazo, podem fazer mais mal do que bem”, explica a fisioterapeuta Sandro Rogério dos Santos, autor do estudo sobre dor nas costas da Unifesp.
Poupar um músculo – de uma área dolorida, por exemplo – significa sobrecarregar outros. É o mecanismo de compensação. Músculos sobrecarregados, por sua vez, se contraem aproximando os ossos. Isso vai desgastando suas cartilagens. O pior é que a gente só se lembra da má postura boa parte desse estrago já esta feita.
As posturas da RPG:
Braços abaixados ou erguidos, não importa. A idéia é trabalhar os músculos da parte da frente do corpo e a respiração.Não é moleza ficar assim com os pés completamente grudados e com a coluna inteira no chão por vários minutos. Simples, mas executada à beira da perfeição em matéria de postura, esta posição também treina o equilíbrio.
O peso da alma.
O corpo fala – e conta tudo o que se passa em seu espírito. Suas postura reflete emoções. Nenhum defensor da RPG deixa essa relação em segundo plano.
“O comprometimento emocional é muito importante”, frisa a fisioterapeuta Mariana Betschart, se São Paulo. “Os tímidos costumam se fechar sobre si mesmo”, exemplifica. Ao contrário, executivos muito segundo são famosos por inflar o peito.
“Muitas vezes a postura está a serviço de uma raiva ou de uma angústia”, Observe Ângela Bushatsky. Segundo os especialistas, é comum a pessoa despertar para o problema e até mudar de atitude com a consciência corporal proporcionada pela RPG.
O tratamento alonga e fortalece músculos fora de forma.
As posturas da RPG:
As outras posições.
Estas são as quatro posturas restantes. Como sempre, é preciso ter o terapeuta por perto. Basta um dedão fora dá tudo errado. Aqui as pernas estão no foco principal, especialmente a parte de trás das coxas e as panturrilhas.Realizada com apoio, esta postura em pé trabalha praticamente todos os músculos do corpo.
“Para a RPG, o diagnóstico é uma verdadeira escavação de arqueologia”, compara Ângela Bushatsky. Na primeira consulta, o terapeuta observa tudo: a posição dos pés, dos joelhos, o alinhamento da coluna… No final, sabe direitinho o que está no lugar certo e o que não está, quais músculos estão retraídos e quais passam bem. “Ao puxar os fios musculares, vai aparecendo tudo”, descreve Ângela.
A partir desse panorama, o especialista traça um plano de ação. Suas ferramentas são apenas oito posturas, nada mais. Cada uma delas focando determinados grupos ou cadeias musculares. O Objetivo é sempre alongar músculos rígidos demais e fortalecer os que se encontram flácidos. Uma sessão é capaz de durar mais de horas. Só não se iluda: não dá tempo de praticar mais de duas ou três posturas nesse período. É que a RPG aposta na manutenção de cada posição por longos 20 ou 30 minutos. Eis outra diferença em relação a métodos tradicionais de fisioterapia, que investem mais na repetição de movimentos do que na sustentação da postura.
“A gente insiste em grandes alongamentos”, traduz a fisioterapeuta Iveline Félix.
Ajustes constantes.
Ficar do mesmo jeito por algum tempo seria a maneira de ensinar o corpo. Para quem está de fora, parece fácil. Nada disso. O terapeuta fica ao lado, sem dar trégua, corrigindo cada milímetro que vai se desviando da pose original.
“A gente ajusta o corpo o tempo todo, mas não é um processo passivo para o paciente”, esclarece Oldack Borges Barros. “Ele é deve internalizar a nova postura”, arremata.
E, sejamos sinceros, as sessões podem ser doloridas e cansativas. Por causa disso, nem todos se adaptam ao tratamento. O fisioterapeuta Sandro Rogério dos Santos, da Unifesp, até arrisca um palpite: “As mulheres se dão muito melhor. Elas se abrem mais e evoluem mais depressa”, nota.
Para quem tem paciência, pode valer a pena. Os cerca de 800 especialistas no Brasil têm arrancado muita gente das salas de cirurgia, às vésperas de operar a coluna. A reeducação postural, de quebra, vem corrigindo os movimentos da respiração e melhorando assim os quadros de asma e bronquite. Há ainda relatos de bons resultados em indivíduos com distúrbios gastrointestinais – existe a teoria de que a musculatura bem ajustada contribuiria para os movimentos peristálticos das vísceras durante a digestão. “A RPG Põe nossa maquina para trabalhar bem”, sintetiza Sandro dos Santos. Entusiasta, ele acredita que procurá-la deveria uma rotina, como ir ao dentista. Detectar cedo qualquer mínimo desvio ser a chave para entrar no seletíssimo grupo dos parecem ter as costas à prova de dores.
As posturas da RPG:
Ao se sustentar por algum tempo deste jeito, a pessoa trabalha as costas e as pernas. Respiração e a parte interna dos braços são exercitadas – e corrigidas – nesta posição.
A repetição de movimentos no computador e ao telefone detonou dores se espalhavam pelo pescoço e pelo braço esquerdo da estudante de Enfermagem Bianca Cristina Carlimi, de 28 anos. Tanto que ela se afastou do trabalho em uma indústria de cosméticos em São Paulo. Os efeitos da RPG foram mais do que alívio quase imediato: a postura melhorou muito e as crises de asma e bronquite sumiram. “Consegui benefícios que nem imaginava”, diz.
Efeitos consagrados.
- A RPG é famosa por tratar os casos de hérnia de disco, quando essas estruturas com papel de amortecedor entre as vértebras saem do lugar.
- Lordose, escoliose e cifose, a popular corcunda, também podem ser resolvidas ao longo das sessões.
- A reeducação corrige desvios nos joelhos e na articulação temporomandibular, aquela da boca.
- Não cura, mas ajuda muito quem tem artrite, fibromialgia, dores de cabeça crônicas e lesões causadas pelo esporte.