Matéria escrita por Luiz Otávio com Patrícia Andrade para a revista SAÚDE! de outubro de 2001.
Cresce a busca por alternativas capazes de acabar com as dores na coluna sem remédio nem tortura. Entre elas, a RPG ganha espaço no Brasil.
BASTA UM TROPEÇÃO E PRONTO: você torce o tornozelo. A dor – e isso é quase inevitável – irá tensionar a batata da perna até ela ficar dura feito pedra. O joelho, em seguida, passa a se dobrar ligeiramente, sem que note, para poupar a área sofrida de maiores impactos. Essa atitude inocente faz uma perna ficar imperceptivelmente mais curta que a outra. Aí é a vez da bacia de se inclinar, tentando resolver a disparidade.
Só que a coluna não agüenta acompanhá-la, ficando toda para um lado como se fosse torre de Pisa. E daí dá um jeito de compensar a inclinação alheia fazendo uma curva para o lado oposto. O tornozelo pode até ficar bom depressa, mas a coluna, coitada, tende a insistir no erro, um desvio conhecido como lordose, uma das causas mais comuns de dor nas costas.
A estudante paulista Catarina Cagna, de 16 anos, exibe uma única pose: “Deitada ou sentada, vendo tevê ou lendo, eu só tinha uma posição. Senão lá vinha aquela dor subindo até a cabeça”, relembra. Ela nunca tinha ouvido falar da “tal da RPG” quando um fisioterapeuta a indicou há seis meses. Hoje é sua fã.
Vários músculos podem se comportar como se fossem um só.
Bonita por fora, dolorida por dentro.
Veja como uma postura incorreta bagunça as suas costas:
1 – NERVOS PRESSIONADOS
Uma posição esquisita ou mesmo o nervosismo do dia-a-dia podem contrair demais a musculatura. Ela, então, comprime os nervos, que podem socorro ao cérebro – é a dor.
2 – COLUNA DESVIADA
A resposta imediata do corpo é procurar outra posição. Ledo engano. Na tentativa de poupar a área contraída, a mudança pode empurrar as vértebras da coluna. Elas também comprimem o que está ao redor. Lá vem mais dor.
3 – SE O ERRO VIRA HÁBITO
As vértebras mal posicionadas facilitam o deslocamento de amortecedores existentes entre elas – os discos. Esse escape é a famosa hérnia, que aperta pra valer nervos bem compridos, causando dor em todo o seu trajeto.
A idéia de que uma tremenda dor nas costas poderia ser fruto de um acidente banal ocorrido tempos atrás – como uma torção do tornozelo – já tem legiões de adeptos. Ela, cá entre nós, nem é tão nova. Nos anos 1950 a terapeuta corporal francesa Françoise Mézière já falava em cadeias musculares – “um conjunto de músculos com a mesma direção que se sobrepõem como as telhas de uma casa e se comportam como se fossem uma estrutura única”, definida a autora. Assim, a musculatura da penas seria capaz de afetar a da nuca, lá no alto, deixando o “telhado” inteiro imaginado pela especialista a ponto de desabar de dor.
Várias linhas.
A partir desse conceito, surgiram diversos, como o GDS, que mistura psicoterapia e coordenação motora, e o da reconstrução corporal. Mas, no BRASIL, nenhum se tornou tão conhecido, nem de longe, quanto a RPG, ou reeducação postural global, criado em 1980 pelo francês Phillipe Souchard. “Hoje há cerca de 6 mil brasileiros se tratando com esse sistema para se livrar da dor nas costas”, avalia o fisioterapeuta baiano Oldack Barros, presidente da Sociedade Brasileira de RPG.
Antes o foco era local da dor. Agora é o corpo inteiro.
Uma escoliose atormentava as costas do estudante paulista Pedro Silveira, de 16 anos. Por sorte, o pai é fisioterapeuta e levou o rapaz a um colega que trabalha com RPG. Depois de dez meses exercitando apenas três posições dessa técnica, Pedro recebeu alta.”Só faço uma sessão por mês para ver se o corpo mantém a postura correta”, diz.
“Há mais pessoas buscando maneiras de resolver a dor nas costas que não tratem simplesmente a doença, mas o doente”, observe o especialista José Luiz Zaperoli, do Centro Brasileiro de Fisioterapia, em São Paulo. De fato, fomos de bier, coletes e massagens pesadas focam o local da dor, deixando de lado posturas do corpo como um todo – e essa postura global, para Phillipe Souchard, “está por trás de 80% dos problemas de coluna”, diz ele, em entrevista exclusiva à SAÚDE!
Da cabeça aos pés.
No médico criado por ele só existem oito posições de alongamento. Mas elas já seriam capazes de fazer as tais cadeias musculares conviver harmoniosamente ao esticar suas extremidades. O objeto é remodelar a musculatura de braços, pernas, abdômen, tórax e pescoço ao longo dos 60 minutos de uma sessão semanal. Nela, diga-se, o paciente se limita a praticar duas ou três dessas posturas. “ Isso porque cada uma delas é feita durante 20 ou 30 minutos. Mas é tudo suave”, diz ele. Esse tempo é um prazo para o cérebro gravar um modelo corporal novo, apagando os erros e as tensões do passado.
O mago da postura.
O tom professoral domina a retórica de Philippe Souchard. Também pudera. Ele passa a maior parte do tempo viajando para formar seus discípulos, que já somam 7 mil fisioterapeutas espalhados por 11 países. E admite que às vezes seu corpo padece. “Não é na poltrona de um avião que vou conseguir cuidar dele”, lamenta. Quando está na França, seu endereço é a pequena cidade medial de Saint Mont. Ninguém ouse perguntar a sua idade: “já passei dos 50”, é tudo o que diz. Mas, para ele e para seus seguidores na RPG, a juventude pode ser definida por uma única expressão – “músculos flexíveis”.
Em vez de reforçar os músculos, a meta é esticá-los.
A comerciante paulista Célia Nahas, de 33 anos, foi por um bom tempo fiel às massagens: “Mas o relaxamento era apenas temporário e as dores na coluna logo voltavam”. Tudo piorou quando ficou grávida – e logo gêmeos!
“Já estava andando inclinada e meio corcunda. E daí fui procurar reeducar minha postura”, diz ela, animada com os resultados visíveis do tratamento.
Para a psicóloga paulista Ana Maria Heyemeyer, com formação em cadeias musculares, a dor nas costas surge “porque nosso corpo foi programado para movimentar-se”. Sentado por muito tempo, ele contrai a musculatura nas redondezas da coluna a fim de compensar a pressão sobre suas vértebras. “Já os ombros sofrem porque têm de uma cabeça ligeiramente inclinada para a frente”, explica.
Como não dá para fugir da realidade – e ela é, muitas vezes, uma cadeira de escritório -, os defensores da teoria das cadeias musculares afirmam que mesmo quem vive na mais correta das posturas pode perder esse trunfo sem, digamos, cuidados de manutenção. Em outras palavras, alongamentos. “No dia-a-dia, nossas costas são como calças compridas após 20 horas de vôo”, compara Souchard. “Ficam cheia de dobras e precisam ser esticadas.”
A polêmica dos esportes.
A musculação está na linha de fogo dos fisioterapeutas adeptos da RPG. “Se eu trabalho um bíceps, esse esforço será compensado em outro músculo da sua cadeia, que pode estar nas costas ou no pescoço”, exemplifica Oldack Barros. Alguns esportes têm o mesmo efeito: sobrecarregam demais certos músculos e desprezam outros, por causa dos movimentos repetitivos, como é o caso do tênis e do golfe, que para piorar ainda exigem torções de coluna dos praticantes.
Nem o surfe escapa, segundo uma pesquisa que acaba de ser divulgada pela Universidade Federal de São Paulo. “Aquela força nos braços que o surfista faz para vencer a maré e pegar a melhor onda deixa os ombros arqueados”, diz a fisioterapeuta Marília Andrade, autora do trabalho. Ou seja, aquele ar de menino do Rio pode ser substituído por um estilo corcunda, candidato a artrose.